As idéias das manhãs de domingo possuem um sabor especial. Manchado pelo café, aquela gota que lentamente escorre da pequena xícara branca, o jornal, retrato da realidade local, atento às atrocidades e simplicidade do cotidiano interiorano, traz o item que, desapercebidamente, provoca um grau de satisfação superior naquele leitor. A leitura é feita vagarosamente, formando a imagem acústica de cada frase, até que cada uma se torne idéia e ganhe contexto, sem pressa, deliciando-se com a articulista, sempre a direita superior da página, com bordas arredondadas, determinando, mesmo que sem querer, a superioridade daquele texto frente a tudo mais que se pode ler naquelas folhas.
As pausas, consciência distante, olhos para o infinito, são sempre propositais. Nesses instantes, ele, leitor, transfere-se para o universo criado pela autora, imaginando que, nem por um breve tempo, ela deve ter na mente a idéia do quão impressionante e envolvente é para ele a contemplação daquelas linhas, que já se tornaram símbolo do ritual matinal dominical, agora ameaçado pelos obstáculos mundanos. Talvez a nova edição contribua de alguma forma para a reflexão sobre os aspectos desse atual contexto. Quem sabe pela identificação profissional, embora quisera ele a mesma perspicácia com conteúdos opinativos, em desacordo com os padrões que cerceiam a criatividade. De fato, dois ou três níqueis para o encontro físico com o papel, e, simbólico / imaginário com a autora, são, provavelmente, mais interessantes do que um simples acesso digital, mesmo que gratuito.
Passados alguns minutos, a paz ameaça a ser perturbada. O som estridente do ser na coleira é talvez menos perceptível do que o gritante atentado ao bom senso, às regras e normas, não as que limitam a atividade humana, mas as que garantem a organização saudável e necessária para a vida em sociedade. A respiração seria o controle para a alma e para o corpo, não fosse a fumaça branca saindo de outras bocas, invadindo também os pulmões supostamente saudáveis. A vida em sociedade. Tudo pode ser superado. Retomada a concentração, após a leitura, a observação da natureza humana faz da sua capacidade de percepção um grande laboratório para o estudo da mente e análise dos comportamentos alheios. O mistério só aumenta.
O tempo passa em uma velocidade diferente. Os mecanismos contemporâneos para a sua medição são supérfluos nesse momento, mas sacados do bolso vez ou outra, para comunicar uma idéia original para outros amigos, ausentes até então. Mensagens que servirão de pauta para as divagações semanais da vida boêmia. E a paz é reconquistada, centrando-se em suas incertezas e demais inquietações que o perseguirão pela vida toda. Mas ainda é manhã de domingo. Então, ele dobra o jornal ao meio, sempre após correr os olhos para as demais intervenções de impacto, e despede-se mentalmente da autora, ansioso pela próxima edição. A vida simplesmente segue.
Um comentário:
Gosto da tua descrição das manhãs de domingo... alias gosto das manhãs de domingo! :)
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