sábado, 30 de julho de 2016

Nada

Acordou um dia, desorientado, sem nenhum entendimento do que acontecera. Lembrou-se, imediatamente, da obra sobre a cegueira branca, descrita por Saramago. Mas podia ver. Percebia que os olhos funcionavam perfeitamente. Via tudo a sua volta, mas, inexplicavelmente, nada via. Demorou-se alguns segundos para entender o que havia. Não via nada. Porque não havia nada. Nada, nem casa, nem cama, nem quarto, nem nuvem, nem sol, nem estrela. Nada.

Levantou-se (ou tentou ao menos). O chão era subjetivo. Não sabia se flutuava ou navegava. Mas estava firme, não caía. E, como as coisas não mais estavam, resolveu então chamar pelas pessoas. Nenhuma resposta. Tentava o eco de sua própria voz, que também se calava. Não tinha mais ninguém. Nada. Ninguém. Nem mesmo as moscas habitavam o espaço.

Caminhou e percebeu que não tinha direção. As paredes o olhavam com desdém antes de sumirem uma a uma. Sabia que a vista estava perfeita, mas não havia o que ver. Cada vez menos. Perguntava-se, mentalmente, o que teria acontecido, mas não se atrevia mais a levantar a voz. Até dos pensamentos tinha receio que o traísse. Então, cansado, quase exausto, secretamente questionou a realidade.

Enfim, uma resposta, depois de tanto vazio substancial. Alguma coisa ou alguém o fizera perceber que o vácuo era o recomeço. Mas desconfiava severamente de que se trava de seu coração, que talvez fosse o mau o bastante pare merecer o abandono total.

Perdera completamente a segurança, o brio, a hombridade que tanto se orgulhava. Aliás, até mesmo o orgulho desaparecia de seu sentimento. Não restava mais a que se apegar. Mas tentava não perder a esperança de solucionar o enigma. “Espe...?”. Sumira em conceito. Menos o mistério. Sentia frio e medo.

Num movimento súbito, deixou de se importar com tudo e correu até o caderno de anotações sem pauta, a procura dos manuscritos mais importantes de todos os tempos. Em branco. Nenhuma palavra mais. Era como se nunca houvesse dito uma só palavra na vida. Todas as verdades foram ignoradas completamente. Como se nunca tivessem sido mencionadas a ninguém.

A sala completamente vazia ofereceu uma janela onde, rapidamente, via todos a sua volta sorrindo, a piscina, o sol,  a bola, e muitos risos. Apenas mais um segundo de tortura.

Não havia nada. Ninguém. Nem entendimento.

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