Era um trabalho árduo, mas ele gostava do que fazia. Não
tinha pressa, esperava o momento exato, sem medir no relógio, em que as letras
se juntariam em sua mente. Às vezes guardava tudo na gaveta da memória, para concretizar
depois, com calma, com a dedicação que gosta de ter em cada vírgula,
especialmente agora, quando os detalhes fariam a diferença. E não admitiria
interferência, porque sim, era o momento único de canalizar tudo o que lhe
parecia estranho o bastante para merecer o tempo.
Depois de uma lavoura intensa, colhia os frutos, tanto
quando lhe dessem. Gostava de metaforizar assim. Pensava nas coisas como um
fruto, para comer com as mãos, morder, sem qualquer cerimônia. E era isso que
fizera, tanto quanto lhe permitiram. Quem dera tivesse mais.
Andava pela sala com muito cuidado, media cada um dos
passos, vagarosamente. Cantava canções mentalmente, trabalhava o inconsciente e
colecionava ideias posteriores. Não media palavras, menos ainda expressões.
Estava num raro momento de liberdade de sensações e sentimentos, sem máscara,
sem roupa, sem personalidade, sem filtro.
Sentara-se consigo mesmo, junto à mesa de bar, meia luz,
como nos botequins dos anos 50. Conversava com sua outra face, fazia planos
intangíveis, propostas imensuráveis. Sorria da impossibilidade de muitas ideias
e debatia com a certeza de quem sabia o que falava.
Sentiu seu corpo girar, 360 graus. Rapidamente olhou de
novo, viu aquele olhar que começa de baixo, sobe devagar, o rosto corado
sempre. Prometeu uma, duas vezes. Tinha verdade nos olhos. Sabia de toda crença
antiga, mas ainda assim insistiu nas palavras. Estava em festa. Em paz.
Tranquilo. No labirinto.
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