José, quando olhou no espelho, percebeu que perdera completamente
a razão, em cada um dos seus passos tortos. Acariciou lentamente a braba lisa,
fina, como quem estivesse acordando. Não haveria qualquer razão para fazer
aquilo, senão fugir de tamanha agonia em seu coração. Já não pensava com a
mente e isso era extremamente perturbador.
Pensou em escrever mais um texto, pseudoliterário, e foi então
que percebeu que ninguém leu os últimos. Estava falando consigo mesmo, o tempo
todo. Um monte de papéis velhos sem qualquer importância. Pensou em apagar todas
as histórias, destruir todas as metáforas. Não seria a primeira vez que lhe
passara na mente essa ideia extrema. Afinal, como seria zerar a vida?
Contemplou a flor da sala, tão bela naquela noite de pouca
lua, em que luz se afunilava em reflexo na mesa como se sugasse toda a sua alma
ao acaso. Olhou ao redor para ter certeza de tudo que tinha. Não ousava dizer,
pois a dívida com Deus era grande demais para questioná-lo de qualquer coisa.
Mas sentia-se só, em alguma instância de sua existência, de repente tão medíocre.
Lembrou de tantos afazeres incompletos, mas dali não se
mexeu por motivo algum, que não fossem os próprios dedos a registrar. Ouvia
músicas tristes, pois assim gostaria de estar naquele momento. Lamentava que
tão curta fosse a noite para tanta intensidade de pensamento. Mas que porcaria
de ausência é essa que sente a ponto de tropeçar nas letras?
Quando foi que ela o olhara daquele jeito pela última vez?
Só poderia ser isso. E, sabia, em seu mais íntimo medo que gostaria de não
pensar. Não ser. Não sentir. Não querer. Um pensamento fortuito lhe invade: “mas
por que ela me acha um ser bom”? Sentia que não merceia, porque a tristeza
causava exatamente essa sensação de pequenez em seu peito.
Correu os olhos pela tela limpa, sem qualquer sinal de que
havia voltado. Sentiu, de repente, a noite mais longa. Não importa quanto sono
teria na manhã seguinte e sabia que seria muito. Alucinações perturbadoras
sobre a mesa vazia, o garçom de costas, o bar apagado. O silêncio era tão
absoluto que a música parecia tocar em seu corpo, como parte de si.
Sabia que era um covarde. A palavra é forte, jamais ousaria
dizer, mas no fundo sabia. Contentava-se com tamanha artimanha a ponto de
inverter os valores. Pensava em tornar-se mau. Imaginou em como alimentar a maldade
em seu coração, com a esperança falsa de que os maus sofrem menos.
Trombou sua vista com a frase imaginária, o velho clichê de
toda sua vida: Você acredita no amor? Trocou respostas com sua mente,
imaginando as duas únicas possibilidades, quando um ápice de percepção aparece
na mente como um sábio de barba branca dizendo: “Acredito tanto que se
multiplica o sofrimento por não saber”.
Olhou ainda mais triste para os móveis tristes, outrora tão
alegres. Quantas histórias, quantas passagens e tudo que seu pensamento sabia
eram as coincidências.
Um café, uma árvore, um livro, Não importa. Sempre haveria
de vê-la antes da última vez.
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