terça-feira, 5 de abril de 2016

Com mãos fortes

Então foi assim que ele decidira. Acordou num dia escuro, nublado como sempre gostara, e saiu de casa. Dirigia em seu carro completamente limpo e isso lhe dava algum prazer. Deixava os pensamentos surgirem um a um, desde que lentamente, para não perturbarem-lhe a mente. Às vezes apreensivo, por hora, riso irônico. De raiva.

Foi quando, nesse cenário estável, o celular tocou inesperadamente. Não era uma ligação, quase não se fazem mais isso. Lia atentamente cada palavra, porque a forma escrita transformava tudo em poesia. E, assim, o caos tornava-se belo. Admirável.

Sentia-se responsável. Culpado. Não, não estava satisfeito como tantos poderiam pensar. Era esse o julgamento que mais o importunava. Maldita voz embargada que o denunciara naquele momento crítico. “Sim, é claro que estava acontecendo alguma coisa. Sempre está, não está? “.  Pensou muito sobre isso. Queria voltar no tempo e fazer direito dessa vez. Mas esse pensamento torto, momentos antes do encontro o traíra sem querer. “Não importa” (mas pensava isso com um palavrão). Importará, novamente, na semana que vem. “Droga”, pensou, “não foi pra isso que eu vim aqui”.

Leu mais algumas frases, gostava do fundo verde, embora não fosse nem de longe sua cor favorita, mas, naquele contexto, era bom. Quase esqueceu que dirigia sem rumo e voltava, vez ou outra, sua atenção ao trânsito. A realidade não existia. O simulacro persiste, não importa onde. E é muito fácil se perder.

Acelerou um pouco mais. Precisava sentir, de novo, que possuía algum controle sobre algo. Mesmo que fosse o carro. Já não era capaz de organizar ideias. Criar estratégias. Tudo era turvo. Confuso. Voltou pra casa e, na cozinha, intimamente apanhou um copo, água limpa, e bebia como se fosse vinho. Fechou os olhos, pensou na mensagem, mas não escreveu. Tinha que ser verdade pra ser dito. Imaginou toda a bagunça da vida ao ver a louça suja na pia. Lavou os copos calmamente, como quem limpava o pensamento.

Segurou-a. Sofreu. Sabia que ela o soltaria um dia. Ainda amava. Não pensava mais nada.

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