Chegou na casa, ainda mais velha do que antes, móveis de
madeira escura, completamente empoeirado e parou 8 segundos para contemplar,
sem disfarçar a surpresa em seus olhos. Estava uma desordem tão completa, tão
absurda, que não podia imaginar. E quando foi a última vez que vera sua casa
assim? Certamente, não era tão velha como hoje.
Andou lentamente, deixando a luz da manhã entrar suavemente
pela fresta da janela, mas sem abri-la totalmente. Parou em frente à estante
enorme, quantos livros inacabados, não escritos, não lidos. Quantas promessas
perdidas, esquecidas, abandonadas. Sacou um exemplar da estante com uma só mão
e o foleava com a atenção de um leitor e a perspicácia de um escritor (gostava
de alternar os papéis).
Surpreendeu-se por completo, tamanhos impropérios escritos
em letras garrafais. Para onde foram as histórias? Olhava ao redor com fúria,
buscava os criminosos que apagaram os textos, tão cuidadosamente criados, um a
um, frase a frase, palavra a palavra, letra a letra. Via vultos correndo, não enxergava
com clareza, forçava a vista e o cérebro, buscava por associações.
De repente, um velho homem, tão velho, com a barba cinza,
tão cinza, tocou-o no ombro sem dizer nada, mas como quem compreendesse a ira
de um jovem que se tornara velho. Percebeu então, que as histórias continuam
lá. Poderia ler o que quisesse, porque a realidade era simulada de qualquer
jeito. Não, não estava sonhando. Tentava adivinhar pensamentos das pessoas. Por
quantas vezes errara o diagnóstico. Quase sempre.
Tocou então seu próprio rosto, deixando os livros sobre
mesa. “Não ousem entrar em minhas histórias”, gritava com a força do ódio de
quem portava um punhal banhado em sangue. Sentiu sua barba cerrada, entendeu
por completo a mensagem. Pensou em cortá-la rente, mudar o contexto. Não.
Esperou por mais 8 segundos.
Saiu num gesto brusco pela porta, e a rua parecia igual. Os
carros de um lado para o outro. As folhas das árvores balançavam com o vento
que soprava sutil. Um sol ardente que fazia-o esquecer-se da chuva. E riu, como
há tanto tempo não fizera. Ria compulsivamente, ao ponto de chorar.
Ajoelhou-se no meio da rua. Abaixou a cabeça olhando o
asfalto trêmulo pelos raios solares. Suprimiu todo o ódio em seu peito, enxugou
as poucas lágrimas e, quase nem acreditando, viu, de novo, aquela mesma cena. O
mesmo rosto corado. Disse apenas: Não vá embora.
Um comentário:
Consegui traçar cada pedaço de cena. E o coração ainda está acelerado. Você é você, de novo.
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