A primeira coisa a fazer foi sentar junto à escrivaninha,
antiga e bela, de madeira escura, em contraste com o computador moderno. Ao menos
gostava de visualizar seu espaço assim. Ali se alimentava de calma, inspiração
e canalizava todas as emoções dessas quase 24 horas. Passou pelo medo, pela angústia,
raiva, decepção, alívio. Ufa, quanto alívio sentira. Imaginou por um instante
como seria a vida sem a comunicação tão instantânea quanto se deseja. Olhava distraidamente
(havia tempo) para o móvel antigo do seu avô e pensava em quão angustiante
seria esperar tantos dias, horas, semanas para uma única mensagem.
Rabiscou algum papel, pensou qualquer coisa rapidamente,
gostava de fazer isso por impulso. E sentia-se mesmo impulsionado a levantar-se
depressa, andando certeiramente até o carro. Olhou por um instante, como se o
automóvel o entendesse e respondesse ao seu pensamento: “De que adianta essa
viagem, meu caro?”. Ignorou. (Lembrou-se, afinal, que os carros não falam e
riu sozinho). Saiu, com aquelas canções tão improváveis, resgatando um contexto
tão definido. Construia cenários com as letras (às vezes adaptava), mas sempre
funcionava.
Sentiu de novo aquele mesmo ardor em seu coração, como há
tantos anos, em tantas histórias, tantas coisas extintas, que de tantas eram,
de algumas nem ao menos se lembrava com clareza. Lembrou-se, sem qualquer nexo
(como sempre) do portão branco invadido em busca daquela rosa. Não, não poderia
ser da mesma forma. Mas não seria real se não fosse intenso. Parou então,
imaginariamente, bem próximo, mas não tanto que fosse notado. Desceu discretamente,
olhou de novo o jardim, sorriu de canto de boca por um minuto. Deixara a rosa
ao chão, como antigamente.
Voltou ao carro. Dirigiu por mais de uma hora, sem perceber
o tempo passar, perdido em pensamentos solitários e calmos. Escutava o som (que
agora era outro) que dizia oportunamente: “se queres paz, te prepara para
guerra; se não queres nada, descanse em paz”. E nesse exato momento retomou o turbilhão
de emoções. Abriu os olhos. Ainda estava sentado à frente do computador, com a
luz da tela a iluminar todo o quarto. Não viu sentido algum nessa viagem
mental. Assistiu, novamente, àquele vídeo, queria estar na estação para cantar
de verdade. Afinal, no que estava pensando? Ainda falta muito para as 22 horas.
Muito para outros seis dias. Falta, ainda mais, para poder dizer: “Ainda é tudo
verdade”. Continuará sendo, não importa quando, nem em que circunstâncias terá
que enfrentar (ou fugir).
Parou um instante para pensar. “Por que seria verdade dessa
vez?”. Porque era real, tão real, tão próximo, tão inacreditável que parecia
imaginário. Nunca conhecera nada igual (e olha que houve histórias). Lembrou
daqueles diferentes olhares que tanto o fascinava. E teve certeza que era
verdade. E antes de deitar, “boa noite”, como se nas letras houve um código
carregando significados como “eu te amo”, “sinto sua falta”, “não demora”, “não
tenha medo”, “não desista”, “não fuja”, “não se arrependa”.
Dormira? É claro que não.
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