domingo, 28 de fevereiro de 2010

Sobre ser inconstante*

"- (...) Minhas senhoras, é um jovem inconstante, acessível a toda
as belezas, repudiando-as ao mesmo tempo para correr atrás de outra,
que será logo deixada pela vista de uma nova, como se ele fosse a
inércia da matéria, que conserva uma impressão, mas que não a guarda
senão o tempo que é gasto para um novo agente modificá-la!

- Peço a palavra para responder!

- A minha inconstância é natural, justa e, sem dúvida, estimável.
Eu vejo uma senhora bela, amo-a não porque ela é senhora... mas
porque é bela; logo, eu amo a beleza. Ora, este atributo não foi
exclusivamente dado a uma só senhora, e quando o encontro em outra,
fora injustiça que eu desprezasse nesta aquilo mesmo que tanto amei
na primeira.

- Mais ainda. Todo o mundo sabe que não há quem nasça perfeito.
Suponhamos que eu estou na agradável companhia de três jovens;
todas são lindas; mas a primeira vence a segunda na delicadeza do
talhe, esta supera aquela na ternura do olhar e na graça dos sorrisos, e
a terceira, enfim, ganha as duas na sublime harmonia de umas bastas
madeixas negras, coroando um rosto romanticamente pálido; ora, bem
se vê que seria cometer a mais detestável injustiça se eu, por amar a
delicadeza do talhe da primeira, me esquecesse das ternuras dos
olhares e da graça dos sorrisos da segunda, assim como das bastas
madeixas negras e do rosto romanticamente pálido da última.

- Eis aqui, pois, por que sou inconstante, minhas senhoras; é o
respeito que tributo ao merecimento de todas, é talvez o excesso a que
levo as considerações que julgo devidas ao sexo amável, que me faz ser
volúvel (...)".

* "A Moreninha" - (Joaquim Manoel de Macedo)

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