domingo, 30 de agosto de 2009

Aflição dos condenados

As portas fechadas comprimem o ambiente, a tal ponto que as paredes parecem pressionar minhas entranhas até extrair todo o meu ser de dentro de mim. Flerto com a crise, mas a atmosfera soa artificial, pois sei que o pânico não está aqui, ao menos não hoje. Ainda assim, sinto o cheiro de um mundo imaginário, movimento-me como uma peça de lego. Busco uma fresta na janela, respiro o ar gélido que me faz recordar os anos de Europa. Quanta falta haveria de fazer o café Paris ou um cinema qualquer (com pipoca tamanho grande).

Escolho o sapato mais velho, calço, dirijo-me desajeito à porta de saída. O carro parece uma máquina do tempo, algo que me transporta para as mais diferentes dimensões, mecanicamente. Um verdadeiro paradoxo da liberdade, na medida em que me permito imaginar que alguma entidade mística orienta meus movimentos que comandam o veículo. Faço repetidamente o mesmo percurso, andando praticamente em círculo. É o único caminho que conheço com certeza. A sensação de saber o trajeto me concede um pseudo-poder sobre mim mesmo, como se a escolha realmente existisse e eu soubesse, de fato, para onde quero ir.

Um lapso de lucidez surge inexplicavelmente e penso que voltar para casa seja a melhor solução. Mas a solidão é uma companheira perigosa para a mente indecisa. Desejo uma bebida qualquer, desde que tenha álcool ou que seja quente. Mas o processo de concretizar essa idéia me cansa antecipadamente; mais um quarteirão para refletir.

Talvez o ideal seja apenas aproveitar a noite, sentir a brisa no rosto e esquecer os monstros que trafegam pela calçada. A insanidade chega muito perto e isso começa a ficar preocupante. Uma última espiada no relógio antes de partir. Lembranças aceleradas percorrem minha mente. Filmes, frases, bebidas, palavras, beijos, abraços, tapas, gritos, murmúrios, flores, lágrimas, gargalhadas. Um toque, um gesto, uma vida, o abandono, a revolta, a superação, a recaída.

Elas foram embora. Uma a uma. Apagaram-se as promessas. Destruíram-se os laços. Espalhou-se a incredulidade. Sobressai-se a individualidade, a busca pelo tradicional. O branco tão desdenhado volta a estar na moda. O preto tão cultuado torna a ser luto. Os livros não surtem mais efeito. Voltam à tona os discursos mentirosos, aquela pequena vidinha de todo mundo. Compartilhar a loucura, agora, parece insensato. O crescimento se dá na escuridão, na dor e na solidão.

As horas passaram depressa. Os devaneios me desligaram por muito tempo. É hora de voltar. Voltar a ver a vida com simplicidade. Pensar nas coisas básicas de todo dia, como todo mundo, dar margem à mediocridade. É demasiado tarde. A sensibilidade apaga as pegadas da alma. Só podemos ir em frente, ainda que o sangue escorra no rosto. Estamos condenados a isso.

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