terça-feira, 21 de julho de 2009

O marciano

A mochila nas costas leva todos os indícios do trabalho braçal que ele esconde, assim que coloca o primeiro pé fora daquele lugar. As roupas com as quais sai não são as mesmas com as quais entrou. Tudo faz parte do trabalho mental de desligamento daquela vida medíocre, sempre igual, por todos os dias. Depois de alguns passos, nem mesmo parece a mesma pessoa e nem pretender ser. Muda os hábitos, muda o cheiro, muda os assuntos, muda.

Amanhã bem cedo, como em todos os dias, a vida lhe lembrará quem é. Mas isso não importa desde que, ao final do dia, ele possa de novo se transformar em um homem sem nome, uma pessoa sem passado a vislumbrar um futuro tão pequeno. Os pelos do rosto precisam ser bem raspados, quer parecer ainda um menino, embora já longe dos 30.

Não há uma única mulher. Existem várias, entre as reais e as imaginárias. Nunca se apaixonou. Não viu, de fato, o amor. Nenhum amigo o persegue. As pessoas são várias, em todos os lugares possíveis, mas elas o encontram, sempre, por um curto período, até que ele parta, sem dizer adeus, sem deixar saudades, sem desejar voltar. Isento de traumas, livre de obrigações, apenas uma breve fase sem muitas histórias, mas com centenas de antagonistas esquecidos.

De noite, sai a passeio. Quilômetros contados. Despesas sempre apertadas. Família distante, pensamentos inatingíveis. Ninguém consegue se aproximar. Nem mesmo ele quer isso. Talvez um pouco de ginástica. Possivelmente, substâncias ilícitas. Quem sabe? Difícil dizer. O importante é que aparência não mude. O dinheiro não rende. E o dia se repete.

Há quem acredite que ele não seja real. Outros se dizem próximos, mas nem ao menos se lembram da última visita. Seria ele um marciano? Por onde estará ele agora? O certo é que, no próximo encontro, haverá um sorriso sem graça e um “até logo” com a promessa de nos vermos em breve. Então, ele desaparece.

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