domingo, 19 de julho de 2009

O pássaro e o menino

O menino espia atentamente o vôo sobre as árvores. O pássaro não é belo. Mas completa a natureza naquele momento. E o que vem a ser o menino naquele cenário? Ele é o agente que desequilibra. A tranqüilidade do pássaro que flutua (talvez) inocentemente será interrompida. Mas ele ainda não sabe. O menino move-se aos poucos e lentamente. Tenta não ser percebido. Só pode haver maldade nessa camuflagem.

Onze ou doze anos de idade. Quantas poucas experiências nesse curto espaço de tempo. Mas os sentimentos são inerentes ao ser humano, assim como a morte pode se manifestar cedo demais para as pessoas, não necessariamente de maneira direta, mas muitas vezes acontece indiretamente. Quanto tempo uma pessoa leva para ver um cadáver? Há certos adultos com pelos no rosto que ainda evitam a cena, mesmo nos filmes em que tudo não passa de maquiagem.

O pequenino sabia que a morte iria se manifesta ali. Mas não tinha a idéia do real contexto em que isso se sucederia. Então ele saca o estilingue. Foi feito com forquilha de galhos firmes que providencialmente ocupavam a calçada do terreno a frente de sua casa. O elástico e tudo mais comprado na selaria. Estava armado. Mas não associava isso a nenhuma forma de proteção e, até então, não havia pensado como predador.

Já na esquina, o velho homem, também a observar os pássaros desafia. “Quero ver se consegue mesmo acertá-lo”. O menino hesita, mas logo alguém que chega afirma: “Essas pragas trazem doenças, não há pecado em matá-las”. O mundo das possibilidades havia se formado bem na sua frente a cabia a ele escolher um posicionamento.

O pobre menino não diz nada. Mira com o estilingue e acerta em cheio uma pedra de tamanho médio na superfície do pássaro, que vai do topo da árvore ao chão. E todos acham graça, elogiam a pontaria. “Esse aí vai ser atirador”. E as pessoas se dispersam pela rua. Estava acabado o show. E o menino chorando corre para a casa a procura da mãe, que o abraça sem entender o choro inconsolável. Soluçando, ele tenta explicar o que houve, mas sente vergonha de contar a história. A mãe apenas diz: “Não há nada que você queira me dizer que eu não consiga ler em seus olhos”.

Os dois permanecem ali abraçados, em pleno sol do final da manhã, por mais de uma hora. Aos poucos os soluços foram diminuindo e as lágrimas secando. Até que ele adormecesse por completo no colo da mãe.

Um comentário:

Quem escreve disse...

já sentiu como que fosse possível alguém ter lido seu mais fundo guardador de recordações? Qqer dia lhe conto minha história acerca dessa minha própria historia que vc contou aqui. Aconteceu também com eu menino...