terça-feira, 19 de maio de 2009

Razão textual

O que somos afinal? Por que a referência em primeira pessoa do plural me parece tão impessoal, se insistimos em burlar todos os mecanismos que forçam o “eu”, para que academicamente sejamos “nós” e jornalisticamente seja “ele”, em terceira pessoa? Talvez o motivo seja evitar a cilada da poesia para os “não-poetas”, mas não se escapa, sejamos nós, sejam eles, ou, seja ele, da promiscuidade cultural predominante em nosso redor, guiada por todas essas formatações coercivas e proibitivas.

Temos medo de ridicularizar a criação com rimas pobres, clichês que insistem em “sonhar para poder amar”, mas esbarramos nas insistentes quedas de bom senso e bom gosto (se é que a essa altura há com que se medir tal aspecto). Caderno de caligrafia para as crianças, técnicas de digitação para os adultos, dicionários eletrônicos, obras clássicas e, até mesmo, em certo momento insano, a suposta liberdade para a criação pseudo literária. Quanta ingenuidade carregamos, no constante presente do indicativo, ousando, vez ou outra, trocadilhos como “imperfeições” do pretérito mais que perfeito. Quiséramos nós tal nobreza com a língua.

Na verdade, não importa. Somos o que? Escritores, poetas, jornalistas, artistas, publicitários encarregados da autopromoção? Para quem estamos escrevendo? Para nutrir o intelecto dos leitores? Para alcançarmos um lugar ao sol (assim mesmo, com todo o clichê que convém à expressão)? Para Deus? Para mim? Ou para você? Tanto faz. Simples, coloquialmente como se pronuncia e displicentemente: “tanto faz” (mesmo).

Ninguém nos lê com a alma, ao menos não com a nossa. Tudo é descartável e reciclável no universo da criação. Não tenhamos a pretensão de pertencer ao círculo de autores contemporâneos, mesmo porque muitos, que estão além deles, já afirmam que chegamos à pós-modernidade. O que virá depois disso? O que deixaremos para as próximas épocas? Quem disse que precisamos deixar algo? Não produzamos nada com esse intuito, pois nem mesmo o texto de nossa lápide poderemos editar. Tudo estará a cargo deles (como, aliás, sempre esteve).

Não somos figurões. Somos pensantes. Sim, sabemos disso. Mas isso, ao menos hoje, não implica em nada além do horizonte (para não desprezar mais um clichê, como convém a um bom e paradoxal autor prolixo, com pouco a contribuir). Pensamos por nós mesmos, às vezes não escrevemos para Deus, mas Ele insiste em nos escrever em linguagens abstratas, todos os dias, acreditemos ou não.

Linhas incertas até aqui, nada que ajudasse a compreender o sentido de tal pobre inspiração, rendendo breves compilações das lembranças e dos sentimentos. Nada que importe ao outro, a menos que vigore na pobre construção do medíocre repertório que se apresenta a catártica sensação descrita na nobre avaliação da tragédia em Aristóteles.

Voltemo-nos às nossas inquietações e incertezas, verdadeiras razões das reflexões que insistem em transbordar a alma, derramando nos papéis a tinta que constituem nossas explanações. Um brinde ao absurdo.

2 comentários:

Anônimo disse...

muito obrigada pela visita! adorei aqui. visitarei sempre.
beijo! boa semana.

Letícia disse...

Ja começo dizendo que não sei se entendi o texto em tudo o que você teve quis transmitir, Renato, e tenho intenção de relê-lo.

Mas ja digo que a medida do bom gosto nunca houve. Bom gosto é como a historia: é, como na guerra, contado pelos vencedores e não pelos vencidos.

De tudo o que eu poderia dizer sobre o teu blog quase recém-começado, acho que isso resume bem a opera: ele me instiga a comentar, de comentar as idéias. Dito de outra forma, me instiga a dialogar com você.
Sendo assim, no fim deste comentario, faço um pedido: escreve um texto sobre os "eles" de que você tão recorrentemente, e, na minha opinião, perigosamente, fala? Um texto descrevend-os e sua ação, coerção, suas proibições. Acho que so depois disso me arrisco a comentar melhor este texto aqui.

Beijos!