sábado, 23 de maio de 2009

O homem de barba branca

O céu azul, límpido como o mar, quase sem nuvens, contrastava com o branco da barba envelhecida, crescida no rosto não por opção, mas por mera ação do tempo e falta de cuidados de higiene diária. A bengala o acompanhava tanto para auxílio nas breves caminhadas como para defesa de possíveis ataques de jovens com mentes desocupadas e corações vazios. A vida reservou-lhe poucas opções além de mendigar, passando a maior parte das horas do dia encostado ao muro com reboco desmanchando, acumulando ao redor de si uns poucos panos e um saco com todos os pertences: sobras de alimentos e objetos retirados do lixo, apenas como volume, para satisfazer a sensação do “ter”.

Dois dias ancorado a todas as angústias de uma vida de lamentação, desgosto e desilusões. “Não estou roubando nada”, retrucava vez ou outra, quase que justificando os infortúnios para os poucos que se arriscavam questioná-lo ou queixar-se. O mau cheiro e a presença nada condizente à estética do bairro de classe alta começava a incomodar os vizinhos, que se deparavam com ele todas as manhãs, na ida ao trabalho ou à padaria. Um bate-boca na loja ao lado, estudantes voltando da aula, pessoas em suas vidas apressadas, e, em meio a esse cenário do cotidiano, permanecia o homem, rotulado de mendigo, já sem esperança, sem perspectiva: a espera da morte. Não pedia comida, nem bebida, menos ainda dinheiro. Nenhum desejo além de ver o tempo passar e aproximar-se do fim.

A ambulância municipal estaciona e, cheio de boa vontade, o enfermeiro tenta convencê-lo a ir ao hospital. Os vizinhos se dizem preocupados. Uma voz, em tom de piedade adverte. “Nós estamos preocupados com o senhor”. Os olhos desacreditados recusam o auxílio e se voltam para o próprio universo, que parece coexistir com o dia-a-dia daquele pacato bairro, outrora conhecido pelas abundantes árvores, que formavam um belo túnel de folhas verdes, antes das raízes invadirem residências, resultando na ação de serras elétricas, ainda comuns em tempos de conscientização ambiental.

Na madrugada fria, cobertores pulam dos armários, bebidas quentes ajudam a aquecer, pijamas e flanelas amenizam o frio de todos os que se escondem da brisa no conforto do lar. E o homem de barba branca atravessa a noite encolhido em seus trapos. Um novo dia nasce. Moradores lamentam a presença do homem. Este, por sua vez, lamenta a ausência da morte e torna a esperá-la tranqüila a ansiosamente.

Um comentário:

Carol Javera disse...

Todos nós esperamos por algo.