quarta-feira, 25 de maio de 2011

Vida de gigante

Está anoitecendo. Por aqui, depois das seis da tarde, a noite começa a cair. E aquele ventinho frio chega sem muito alarde. É nessa hora que desdobro a manga da camisa, protegendo os braços do frio. A dor de cabeça já até passou, sem remédio mesmo. Provavelmente era por causa daquele sol quente que devia estar lá fora.

Olho pela janela, as pessoas andam, em sua maioria de terno escuro, apressadas, mas nem tanto quanto pela manhã. Estou no alto, são oito andares. Os vidros escuros fazem parecer mais tarde e aquele cheirinho de cozinha me lembra os dias em que esperava a comida ficar pronta em casa. Ao mesmo tempo, imagino centenas de lares semelhantes, isolados nessa enorme cidade, onde as pessoas se cruzam, mas não se encontram.

As pessoas começam a se despedir, rotinas sendo cumprida (a risca). Trabalho, lar, comida, lazer (TV). A gente ri pouco quando está por aqui. Conversa menos. Mas sempre dizemos “bom dia”, “boa tarde”, “até amanhã”, “bom fim de semana”, no máximo. Quando o prédio começa a esvaziar sinto como se o vazio fosse também por dentro de mim. “Para onde vou agora?”. A sensação é mais ou menos como se essa fosse a minha casa e eu tivesse que sair agora pra voltar amanhã. Quase esqueço que tenho um lar. Tão isolado de contexto quanto aqueles que imaginei.

O mais estranho é que, agora, eu não sei como viver. Não acho bem as palavras. Mas é, ainda, como se estivesse fora de casa. E eu sei que, de manhã, não terei a mesma segurança ao sair, mas, depois que estiver lá, o trabalho vai fluir, com a mesma convivência gélida de todos os dias.

Quando o pânico já estava quase se apoderando de mim, ouço uma saudação amistosa. “Ei, amigo, topa um café hoje?”. E tudo parece um pouco mais confortável de novo. De volta às coisas que identifico. Mas dura pouco, sempre. E, logo, ele também parte, com a mesma rotina que condeno, me deixando na mesa com a conta paga.

Eu sei que não posso mais voltar pra casa. Esse é um lugar que não existe. Está cada vez mais apagado do futuro. Esse “ser por si só” me amedronta. E só me preocupa uma coisa: O que vou fazer quando você não mais me ouvir?

Vai ser daqui a pouco.

Um comentário:

Quem escreve disse...

Agora, enquanto espero o almoço, penso sobre o escrito. A minha casa é meu reino. Pausa. Já estou no carro. Dei partida no motor, liguei o ar, coloquei uma música. Que vontade é essa de modificar Ro ambiente ao nosso redor? Um banho, perfume, boa camisa listrada. Modificações... Também me sinto fora do aguário. Quero voltar pra casa, me desprender desse organismo. Mente e corpo jamais andarão juntos. E, no entanto, não é belo isso?