quinta-feira, 22 de abril de 2010

Durante quatro anos

Eu estive lá. Ainda sinto o cheiro da noite e de todas as almas que por lá vagaram durante aqueles anos. Posso ver na minha frente os mesmos carros que estacionavam nas mesmas vagas todos os dias. Consigo reviver tudo o que pensei, as histórias que criei com as pessoas, com as coisas e tudo o que compunha aquele cenário. Sinto o gosto daquela comida medíocre e tenho a mesma idéia de solidão que vivi na época. Lembro-me perfeitamente dos passos que dei naquelas ruas escuras, naqueles corredores tristes, nos rostos das pessoas que nunca tornarei a ver.

E claro, também me lembro de encostar o corpo no carro verde e divagar sobre o fim dos tempos. Vejo, de novo, a expressão de quem me contava sobre os gritos e sussurros, com o entusiasmo de criança. Mesmo que essas últimas sejam apenas lembranças. O maior incômodo está em sentir o gelado das grades daquele prédio escuro, as escadas apertadas. Lugares que nunca mais verei, pessoas cujas fisionomias foram pouco a pouco se desfazendo, mas a sensação de ter cruzado com elas não desaparece jamais.

O que foi que me aconteceu naqueles anos? Os primeiros trocados gastos naquela enorme cantina e os poucos minutos naquela livraria bem no meio de tudo, a poucos passos da biblioteca tão pouco visitada. O que restou de toda aquela experiência? Por que tudo estava tão esquecido e, de repente, sem qualquer explicação voltou para sufocar meu espírito, sem que eu entenda o motivo?

Às vezes parece que isso é como ficar velho. Mas, ao mesmo tempo, sei que não se trata só disso. Há muito mais por de trás dessa crise. Coisas inexplicáveis, registradas aqui para que eu saiba que existem, mesmo que ainda não possa explicar.

Eu vejo tudo de novo, como se fosse um filme, quase um documentário dramático. Ser o protagonista e, simultaneamente, espectador é algo difícil de descrever. Mas é exatamente isso que acontece, um estado de consciência estranho, que eu nunca havia sentido de maneira tão forte.

Pode ser triste e provavelmente o seja. Tudo isso é particularmente meu. Não posso dividir, compartilhar nem transferir. Essa é uma particularidade da intensidade da solidão humana. Eu realmente estive naquele mundo. Estou, agora, assistindo a mim mesmo.

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