domingo, 29 de novembro de 2009

Desencontrando

E acordou com a mesma cara amassada de todos os dias, os mesmos cravos na face que cotidianamente o incomodavam. Primeiro abriu os olhos, num ato de reflexo, como quem chega ao mundo de repente. Mal sabia que seria assim. Preguiçosamente se enrolou no lençol, como quem pede por mais cinco minutos de sono.

Dirigiu-se ao banheiro para lavar o rosto e tudo era diferente. Não encontrava sua velha escova de dentes, tampouco o desodorante de todas as manhãs. Quando, por fim, convenceu-se em aprontar-se com que achara, sentiu que a pasta de dente também era de outro sabor. Onde estariam seus perfumes? O susto não foi menor quando, ao voltar ao quarto, instintivamente pensou defronte ao armário: “Essas roupas não podem ser minhas. Mas servem. Estranho, muito estranho”.

Já vestido, até sentiu-se confortável no estilo urbano, desceu as escadas e encontrou a mesa posta do café. “Mamão papaia? Onde estão o pão e a manteiga?”. Mesmo assim, achou que frutas cairiam bem e tomou o café-da-manhã refinado, bem ao estilo de outono. O dia estava mesmo diferente, mas decidira seguir em frente.

E pelo resto das horas sentia-se privilegiado por provar um mundo avesso. Seus amigos eram os mesmos, mas eram outros. Seus amores eram surpreendentes. Percebeu que era desprendido de obrigações, ainda muito emotivo, mas extremamente apegado aos estímulos ligeiramente eróticos. Nem tudo haveria de mudar por completo então.

Estava se acostumando. O que era escuro tornara claro. As cores se invertiam. A lua e o sol. O mundo estava trocado de lugar. Os lugares por onde desapercebidamente caminhava naquela manhã eram inusitados e improváveis. O que de fato estava acontecendo, não entendia, mas optou por absorver a nova experiência como um recém-chegado ao novo mundo.

Divertia-se muito. Sentia a ausência de algumas coisas. Mas a sensação de vazio passava rápido. Parecia um sonho daqueles em que se sabe que está sonhando e que tudo acabará ao acordar. Mas não acordava. Nem ao menos dormia.

Sentiu o gosto do que nunca havia degustado. Viveu ao contrário por um dia. Tudo o que sempre desejara da vida. Saber como é e poder voltar. Um sonho impossível que se concretizara naquele instante. Uma magia inexplicável, da qual não se pode distrair para não correr o risco de deixar de sentir o efeito embriagador de experimentar.

E acordou com a mesma cara amassada, os mesmos cravos no rosto. E os mesmos desejos reprimidos de provar outras vidas.