Eu me permito ouvir. Permito-me sentir o que se passa. Presto atenção ao que as pessoas dizem. Mas a repetição de um gesto pode se tornar mecânico. Tudo parece tão banal quando olho ao redor. As pessoas continuam comendo, mastigando a mesma comida sem gosto, bebendo os mesmos sabores sintéticos. E a vida fica artificial. Um faz-de-conta onde as pessoas representam o tempo todo. Elas parecem comer, mas estão engordando, cumprindo um hábito. Tentam falar, mas estão externando palavras decoradas. Poucos ainda perdem tempo em desenvolver uma idéia.
Estou cansado dessa gente mesquinha, desse universo menor. Estou cansado de mim mesmo. Enjoei dos meus sapatos, meu perfume e de todas as minhas roupas. Meus cabelos estão caindo e minha barba aumentando. Minhas expectativas encolhem com o avançar dos anos e certos sonhos parecem tão mais distantes que antes. Pedem-me o melhor do meu espírito e devolvem-me os cacos que ainda sobreviveram à guerra de vaidades.
Meu poder de criação tem caído. Minha percepção está adoecendo. A mente permanece lúcida, contemplando o caos e a tranqüila destruição dos valores conquistados lentamente. As bases estão enfraquecidas, a revolta é tudo o que tem crescido em mim, de forma tão avassaladora que o ódio poderia transformar-me por dentro, não fosse a lucidez impedir-me de vender minha alma.
O cinismo no falso sorriso desses rostos tão hipócritas provoca-me vômitos. Eles se divertem às minhas custas (e a dos que me cercam com bom senso). Os ratos insistem em cercar minha casa. Eu fecho a porta, eles buscam as frestas. E eu hei de alimentar a ânsia por vingança, se meu coração mandar. Não hesitarei sorrir quando a hora chegar, com a mesma audácia que me é dirigida.
Às vezes, sinto-me imerso em uma água turva e a terra agride meus olhos. Seria essa a última vista antes do anoitecer?
Um comentário:
tem dia que é bem assim mesmo :|
Postar um comentário