O ar condicionado parecia incapaz de superar o calor exaustivo dentro do carro. A preguiça após a exagerada refeição caseira tornava o caminho de volta ainda mais longo e cansativo. O peso dos problemas do dia-a-dia dava ao dia um ar de desânimo, com a falta da grana, a consulta no médico, o combustível acabando, as crises existenciais enfim.
Quando aquele parecia mais um dia comum, a imagem do caminhão lento a frente deveria ser mais um indício de irritação. Mas o olhar distante dos trabalhadores transportados junto ao piche congelou a cena. Não havia desilusão nem esperança naqueles olhos. Apenas a espera por mais um ponto de pista a ser reformado. O incômodo do transporte improvisado, junto ao material sujo de trabalho, não parecia uma aberração. Apenas uma circunstância esperada, não desejada, tampouco repudiada.
Poucos segundos e o caminhão (como se o veículo tivesse vida própria) abre espaço para o carro, que hesita a ultrapassagem para contemplar a pintura por mais alguns breves instantes. Ao passar, ainda há um aceno, um gesto corriqueiro, mas com um ar de reconhecimento humano, de cumplicidade emocional. E o caminhão desaparece para sempre do retrovisor.
2 comentários:
Sim, estes do retrovisor, se vão, e é para sempre. Ainda bem.
Mundo concreto, pintura cotidiana, uma grande e literária reportagem. Acho que aprendemos BEM nosso, oficio, não?
Abraço do Velho, do moço e... o menino está lá fora, na chuva, brincando de salvar o universo...
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