quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Antigamente

Os corredores escuros recebiam apenas aquela fraca luz amarelada que conferia ao local uma imagem inconfundível de subúrbio, uma pensão como as de antigamente. Os quartos com paredes claras, porém pálidas de umidade absorviam todas as experiências ali realizadas ao longo dos mais de 20 anos de existência do estabelecimento. Diferentes gerações estudantis por ali haviam passados e outras tantas haveriam de passar.

Excitante imaginar as horas de amor que sorrateiramente se passaram ali naquelas camas já reforçadas para não caírem. O cheiro do prédio era uma peculiar referência ao estilo de vida levado pelos seus habitantes.

Rapazes e moças se encontravam entre sorrisos discretos, às vezes uma piscada de olho, como se ainda fossem os anos 70. As saias cada vez mais justas tornavam os passos delas cada vez mais lentos. Os homens trajando jeans admiravam, enfeitiçados, o balanço das pernas em perfeito equilíbrio sobre os saltos sempre altos.

Centenas de juras de amor entre casais, homens e mulheres, milhares de cartas prometidas jamais escritas, amores esquecidos, amizades abandoadas, laços para sempre rompidos. Esse era o futuro certo, sem exceções de todas as relações ali começadas (e terminadas, portanto). Não restavam mágoas, nem esperança, mas a troca de endereços era quase uma formalidade absurda daqueles que partiam para não mais voltar. Outros chegavam tão deslocados como atores recém encaixados numa peça em andamento. Mas rapidamente passavam a se ambientar. E todos ainda haveriam de mudar em poucos dias.

Do outro lado da rua, a “Padaria do Estrangeiro” não poderia ter um nome mais apropriado ao seu sentido lírico, já que a estrutura do lugar, com um pouco de criatividade, parecia a imagem de um grande velho com olhos murchos e tristes a testemunhar toda a dramaticidade da pensão a sua frente. Tinha-se lá uma sensação de abstração, como se a vida corresse diferente do resto.

Quando as obras começaram, ninguém havia percebido, sentado na outra esquina, com poucos cabelos grisalhos, com o rosto sofrido coberto de lágrimas, o olhar triste cansado daquele homem. Todos os dias ele passava as horas observando a reforma, física e tecnológica daquilo que se transformaria num pequeno hotel.

Passados três meses, o hotel já pronto, o homem volta à rua, entra na padaria, pede um café forte e contempla por poucos minutos a nova obra. Observava o fim de uma era e o início de um mundo do qual ele não mais faria parte. Bebeu o café e partiu para casa cantarolando. Agora encontrar a paz.

Um comentário:

Naakey disse...

Impressionante mesmo como as vezes uma simples parede pode nos trazer lembranças incríveis *-*